Roteiro e montagem: as duas pontas da história.
- Fernanda Cardoso
- Oct 5, 2018
- 2 min read

A minha trajetória profissional foi tão imprevisível quanto exata. Digo isso porque quando comecei a trabalhar no audiovisual, aos 18 anos, não imaginava, àquela hora, que meu ofício seria outro. Trabalhei por nove anos com música para filme. Filmes de publicidade e cinema. Aprendi então a desenhar a emoção da cena através do som. Do som, da música e do silêncio. A importância de cada um desses três pilares, a cada cena. Uma mesma cena pode gerar tensão, medo, tristeza, paixão, apenas mudando a música. Pode também potencializar a cena seguinte, se tiver apenas som, sem música. Era maravilhoso quando o montador do filme (sim, naquela época não trabalhei com nenhuma montadora mulher) “jogava junto” e topava alterar microdetalhes para resolver um sinc da música, por exemplo. As trocas com o diretor e montador dos filmes eram sempre riquíssimas, e foi depois de uma pausa para ter meu filho que decidi retomar a edição – agora de imagem. Comecei montando conteúdo de marca, minidocs e programas de TV. Depois, documentários maiores, e então comecei a estudar roteiro. Sabemos que uma história nasce no roteiro. E, por conceber a história, o roteirista é intitulado o autor da mesma. Mas muitas vezes o roteiro é feito na ilha de edição, com roteirista no paralelo ou não. Outras vezes o roteiro é um, o material bruto é outro e o produto final acaba sendo um terceiro. Acontece de ter uma sequência ou passagem do roteiro que parecia incrível, fluida, mas que na montagem, com o material na mão, não funciona mais. Então o montador assume um papel decisivo na história que será contada. Na edição, podemos inverter a ordem dos fatos, gerando outra compreensão da mensagem, ou mesmo mudar o protagonista, como aconteceu em Tropa de Elite, montado pelo Dani Boy. Uma vez me chamaram pra montar um filme que tinha muitas possibilidades de imagem para cada cena. Não estavam definidas quais imagens contariam cada pedaço do roteiro. Por exemplo: o protagonista tinha sonhos importantes para a narrativa, que aos poucos nos contavam sua história pregressa. Eu tinha uma quantidade enorme de material desse “passado”, e cada vez que ele sonhava, no roteiro só constavam indicações como “ele sonha com passagens diversas de seu passado”. A ordem escolhida para mostrar o passado e o tempo de tela de cada passagem poderia mudar completamente a percepção do público sobre o misbehavior do personagem. Essas escolhas foram feitas, na grande maioria das vezes, apenas por mim. E as escolhas de montagem para alternar entre sonho e realidade deram um tom único para o produto final. Assinei a montagem e me orgulho bastante dela. Mas ficou ressoando a questão. Definir o estilo da obra, alterar o final, o começo, mudar o protagonista... Enfim, a autoria de uma obra audiovisual pode ser mais sensível e complexa do que pensávamos. Por que não abrirmos a discussão?

Fernanda Cardoso - Associada AMC






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